segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Litoral


C G A7 F
Ukulele


Vou logo começar uma letra bem sincera
Mas cuidado cidadão é verdade não é bela

Veja meu amigo como tudo aconteceu
A vida é passageira no mais é tudo breu

Diga quanto vale viver na babilônia
Diga quanto pesa nascer nessa colônia

Não quero mais a vida vivida na mentira
Não quero mais a vida jogada na orgia

Não vou me vender nem por um milhão
Não quero ser escravo de boyzinho ou de cuzão

Foi mal o palavrão
Foi mal o palavrão
Em todos os acordes
Foi mal o palavrão

Foi mal o palavrão
Foi mal o palavrão
Mas não me interessa
A sua opinião

To de saco cheio de busão lotado
Enquanto meu dinheiro paga as puta no senado

Vai tomar no cú esse bando de safado
Que acha que é bonito roubar de desdentado

Desliga essa TV que se foda o BBB
Eu quero que se exploda essa tal lei rouanet

Cansei de querer empilhar certificado
Cansei de você me olhar atravessado

Enquanto eu reciclo pago as contas com suor
Meu vizinho dá calote e ainda acha que é melhor

Desculpa a honestidade
Desculpa a honestidade
Mas essa baixeza
É tudo honestidade

Desculpa a honestidade
Desculpa a honestidade
Mas to me fodendo
Pra sua vaidade

Onde eu estava quando você foi embora
Pra onde eu olhava no fim da nossa história

Me passa essa pinga acende um baseado
Vamos ler vigostki em dia de finados

Vamos construir nossa casa na floresta
Vamos cultivar esse alface na janela

Vamos viajar na sombreira dessa árvore
Vamos ficar nus pra espantar a castidade

Não importa o que seja abre essa cerveja
Qual é esse sucesso que tanto se almeja

Só quero viver
Só quero viver
Só quero ter coragem de não me arrepender

Só quero viver
Só quero viver
Botar fogo numa vela
E me reconhecer

Vamos gingar juntos vamos crescer juntos
Fazer uma tendinha pra esconder dessa chuvinha

Rodar de bicicleta ouvindo uma conversa
Cochilar na praia com a areia de coberta

E quando ele partiu eita puta que pariu
Abriu um precedente pra explorar a minha mente

Agora sem julgar quero me orientar
Ajudar essas sementes que nascem tão carentes

Vou me despedindo baixinho proferindo
Me espera litoral que eu estou indo na moral

Não vou me vender
Não vou me vender
Talvez só um pouquinho
Pra uma horta eu poder ter

Não vou me vender
Não vou me vender
Só quero uma cabana
Pra no mato anoitecer









sábado, 24 de setembro de 2016

Singela Ode ao Mar

Ah o mar
Sempre tão constante em toda sua inconstância
Selvagem em prantos de calmaria
Fortaleza de areia líquida que não mata nossa sede

Ah o mar
Nos nina em colchões de espuma
Nos abraça com luvas de seda translúcidas
Nos morre sem nos deixar chance de viver

Ah o mar
Envolvido pelo mato profundo
Pelo vento que acarinha o temor de sua noite
Pela folhagem que afaga a palavra perdida

Ah o mar
Quanto respeito a esse nobre senhor
Que com idas e vindas nos ensina como a vida é pequenina
Que lava a vida velha nas ressacas das grandes luas

Ah o mar
Um salve ao mar
Um salve ao vento que traz o mar
Um salve aos respingos de vida salgada que venta o mar

Ah o mar
Uma ode sem nexo para o mar me perdoar
Uma ode estranha para o protetor o mar
Uns versos sem rimas, pois não posso comer a grandeza do mar

O mar
Cavalga as ondas nas pontas dos pés
Mira o horizonte sem saber o que vai ser de seu fim indelicado
Carrega doce rio no ventre de seu sal

Ah mar
Se eu soubesses o que sabes
Não me salgaria a boca com as amarguras de tuas entranhas
Não deixarias que me levasse assim mansinho

Bença mar
Se tu dizes que não devo em ti entrar
Secarei meus pés antes de me retirar
E com os olhos ainda baixos não mais hei de te pisar

Bença meu grande mar




sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Pochete



ela usa pochete
e escreve blog sem manchete
ela faz versinho de amor
que rimam meu querido senhor
dizem que é sonhadora
outros gritam é só mais uma usurpadora
mas na quinta ensolarada
ela pensa bem nessa parada
e com a mente quase a esmo
ela conclui que na verdade, é brega mesmo.




Português Sacana


me lambuza de verbos
depois me atira em reticências



Brega


olha que brega
eu aqui moça feita
vacinada e direita
escrevendo versinho melado
para que o vento o leve ao seu lado




Questionamento


- Por que você escreve tanto sobre o amor?

- Porque nunca poderei vive-los todos, mas posso escrever sobre qualquer um e enquanto escrevo eu os amo e eles me amam também.



Apareça

Apareça e quando chegar não se importe em lavar as louças ou secar os pratos. Não precisa tirar os sapatos, só porque eu tirei os meus, mas se quiser ficar descalço jogue as meias em qualquer canto e conte-me seus desassossegos.

Apareça e quando chegar finja que não percebeu a torneira quebrada, o tanque que virou pia ou a sujeira do fogão. Não note os móveis sem nexo e as fronhas que não combinam, fale sobre seus amores, sobre suas dores e sobre aquela teoria de conspiração alienígena que descobriu semana passada.

Apareça e quando chegar não repare no cachorro cheio de terra batida e que deixa caminhos de areia pela casa. Não me dê dicas de como me livrar das pulgas, nem me fale daquele shampoo que seu veterinário indicou para seus cães. Apenas puxe a cadeira e me presenteie com um suspiro de vida que pulsa.

Apareça e quando chegar não fale sobre os papéis que preencheu no trabalho, ou sobre o trânsito que estava estranho para uma quarta-feira. Mostre-me seus rabiscos, seus escritos, seus desenhos. Conte-me sobre o abstrato retratado em um antigo quadro.

Apareça e quando chegar não entre de imediato. Deixe-me guia-lo por entre os caminhos escuros de mato profundo e me tire para dançar no breu do silêncio, enquanto os vaga-lumes saboreiam a noite conosco.

Apareça e quando chegar não reclame da crise, não discuta religião, não me conte sobre a frente fria que vem chegando. Escutemos, ao invés, uma música estranha, completamente nus.

Apareça e quando chegar olhe nos meus olhos, faça silêncios constrangedores e me dê longas explicações sobre o porquê da fragilidade da vida ou sobre as transformações cósmicas e energéticas que pairam sobre nós.

Apareça e quando chegar me dispa primeiro com seus olhos, depois arranque toda a roupa de meus pensamentos e deixe minhas palavras nuas e arrepiadas.


Apareça e quando chegar não peça para eu fazer o jantar, mas se quiser comer meus excessos, basta me desembrulhar.  



quarta-feira, 14 de setembro de 2016


Academia

hoje é quarta-feira
vou bombar nessa esteira
vou malhar direitinho
pra ficar com o bumbum empinadinho
vou vestir minha pochete
pois dou musa fitness da danette
depois tirar foto com o celular
fingindo não ligar
pro vazio a me afrontar





Pago Bem

Não achei remédio pra breguice
Não tinha mais na pochete falsa da le postiche
Alguém tem? 
Pago bem
Essa noite não tomei
Veja só o que arrumei



Adendo

"eu queria tanto que você não fugisse de mim, mas se fosse eu, eu fugia"

é sério tá. foge.


Corra para as Grutas

Eis uma listinha breve
Com conselhos leves
Que talvez quisesse anotar

Fique longe viu criança
Corte logo essa dança
Tente dessa vez não se molhar

Não acredite em meu sorriso
É apenas um aviso
Fique assim no seu lugar

Me ignore na passagem
Não responda as curtas mensagens
Tente agora me escutar

Vá para casa meu amigo
Durma bem no seu cantinho
É melhor tu repousar

O dia é sempre longo nas andanças
Na desordem da ciranda das crianças
Na lua quente sem estrelas a reinar

Vá pra casa sem problemas
E não confie nos poemas
Escrevo só e sem pensar

Mas acredite nessa história
Da loucura transitória
Que paira triunfante
De maneira vil e errante
Na mente quase coração
Dessa poeta sem noção

Fuga para as grutas
Que eu corro para os Alpes
Nada mais seguro
Que ser agora um dedo duro

Não diga que não avisei
Estou dizendo que parei
O que pouco comecei
Pois não posso mais confiar
Nessa mania tola de sonhar

Amanhã vou fingir não me importar
E da memória remover seu celular
Não estranhe, então, meu eu vulgar

Mas, se numa onda inconstante
Eu surgir subordinante
Por favor me mande embora sem pesar
Pois quando a noite terminar
Vai ser melhor eu só estar
Vai ser melhor se não ficar

Então, fique longe sem pesar


segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Carta Aberta de Desligamento

Ando com raiva de você. Desculpe-me. Mas é que quando eu comecei a olhar para nossa história pelo lado de fora eu me senti uma tábua de tão ingênua que fui com minha devoção por você. Senti-me aquela garotinha do colégio que se apaixona pelo professor, achando que ele a ama só por que seu sorriso parece feito para ela. Senti-me ingênua por te amar tanto, por te querer tanto, por querer te ter para sempre. Senti-me ingênua por ter continuado, por tanto tempo, ainda querendo ter um cachorro feio contigo. 

Mas a vida, espertinha que só, me deu um cachorro lindo e feliz e mais companheiro do que você foi nos últimos tempos. E a vida, mais espertinha ainda, o deu só para mim. Mas devo pedir mais desculpas ainda, porque a raiva é de mim mesma na verdade. De ser tão dramaticamente jogada aos amores e querer ser um, sendo dois. Não posso negar minha sofreguidão canceriana. Mas também, acho que nunca deixei de negá-la. Mas compreendo que não é fácil segurar a barra de estar comigo. Eu mesmo às vezes bato na minha cara, às vezes a bicha fica louca, não é? Eu sei. Mas a minha loucura foi cristalina. Foi sincera. Honesta. Fiel. No maior ato de amor eu compartilhei toda minha insanidade, eu coloquei todos os meus monstros na mesa. Desculpe se foi demais. Eu sou demais às vezes. Eu sei. 

Gostaria que tivesse continuado compartilhando seus demônios comigo, mas talvez, o seu demônio fosse eu.  Não foi minha intenção. Minha intenção era só dançar com você. No fim, a gente nem dançou junto né. Mas eu dançava na sala, na sacada, no quarto. E dançava com você, mesmo que ali não estivesse. Depois por um tempo, ainda continuei dançando por nós. Hoje já ando dançando só para mim mesma. Mas a raiva é um sentimento tão contraditório a todo o amor que existe em mim que não dá mais para manter essa sofreguidão. 

Nosso antigo apartamento já não tem mais nada que conta nossa história. O computador pifou antes de eu ver nossas fotos. Os móveis se separaram. Tudo se foi. A cidade já não é mais a mesma. Os sons que escuto ao acordar já não são os que costumávamos ouvir. Os dreads se foram e com eles três anos de histórias nossas. Acho que as pulgas que infestaram a nova casa e começaram a pular nos cabelos, me fazendo cortá-los na raiz, foi a vida dando um tapinha nas minhas costas, me olhando nos olhos e me mostrando que o caminho agora é novo, deixe então as velhas madeixas. Deixe tudo ir. Se dispa de você mesma. Se esvazie e se deixe encher de novo. Faça novas histórias enquanto o cabelo cresce. Vamos crescer juntos, lentos, mas constantes. Vamos cuidar para que cresçamos fortes e cheios de brilho. 

Continuo pedindo desculpas, por que também não é justo deixar de lembrar que tivemos doces momentos, que rimos muito, que nos divertimos com nós mesmos, que éramos felizes e engraçados, mesmo depois de tanto tempo sóbrios. Como não se lembrar de nossa incrível viagem para as terras do nunca que nunca esquecerei. Mesmo com a falta das putas das fotos que não cheguei a ver e que entreguei para o universo. Um dia será tempos de revê-las e elas voltarão sem esforço, como uma folha seca na correnteza. Os seriados que vimos inteiros juntos. Nossas diversas casas. O tempo que tivemos um lar. Os abraços, os chamegos, os cheiros. Nossa coleção de post-its com constatações. Manoel de Barros. O cheiro do café todos os dias pela manhã. A televisão que você ouvia tão alto e que eu sempre abaixava e que você depois aumentava. Nossas palas de ipas em dias rotineiros. Seus cachos. O mequetrefe. E coisas que me deixam saudosas por eu não me lembrar mais. E que aos poucos vou lembrar menos e menos e menos. Como uma luz cênica que aos poucos se esvai. A luz do nosso palco apagou e hoje preciso fechar as cortinas, pois nosso espetáculo saiu de cartaz por incompatibilidades de gênios dos atores principais. 

Também preciso te agradecer, pois só assim pude seguir meu caminho e fechar uma grande ciclo de vida. Fico feliz de perceber que consigo fechar ciclos e concluir todas as grandes metas que me imponho. É claro que a vida dá uma ajudinha. Mas você também deu. Talvez, se você tivesse ficado, eu ainda estaria aí e nenhuma das coisas grandiosas que me aconteceram esse ano, teriam sequer existido e apesar de ainda estar colando meus pedaços eu sinto que estou exatamente onde deveria estar. Eu e meu cachorro. 

Não sou de expor as coisas dessa maneira, mas isso tudo estava travando minha criatividade e babe, eu realmente preciso escrever, eu preciso organizar toda a literatura que está bagunçada em meu estômago e criar frases que tenha sentido, parágrafos que tenham coerência entre si. Era preciso liberar palavras antigas, pois as novas andam sem espaço. Liberei a casa, a cidade, o cabelo, as palavras. Liberei eu mesma de você. Por que quando o sol voltar, trazendo a primavera, eu quero colocar meus vestidos coloridos, minha sandália verde e sair de mãos dadas com a vida que pulsa. Preciso de espaço para esse pulsar todo que existe em mim. 

E por fim, da próxima vez, não esconda seus demônios. Não esconda se tiver sentimentos por outro alguém. Não deixe de ser sincero. A mágoa da mentira e da omissão é sempre mais pesada. Acho que apesar de todos os meus defeitos e loucuras, sempre te dei espaço para me dizer tudo que estava dentro de você. Eu aguentava. Minha fragilidade é a minha maior fortaleza, pois nela extravaso o peso da vida e sigo sempre forte para aguentar os trancos que ela me dá, mesmo que as vezes eu pare um pouco para respirar. 

Mas faz assim, sigamos a vida, sempre sabiamente e sem medo de nossos monstros, e um dia a gente se encontra sem querer e toma uma bem gelada, enquanto lembraremos docemente de nossas manias infernais, das loucuras que nos irritavam e até as tristes histórias serão lembradas com amor, pois quando todos os sentimentos acabam, restam as histórias e a nossa um dia será lembrada com um sorriso de canto de boca enquanto brindamos o fim de uma era com o tilintar dos copos americanos em algum bar de beira de esquina. 

Enquanto isso, sigo com minha terrível mania de amar, mesmo que ainda não haja forças suficientes para mergulhar no cheiro de outro alguém, apesar de já querer existir um outro alguém, que de certa maneira sempre existiu. Mas ainda caminho pelas ruas da indiferença. É estranho ser indiferente. Uma canceriana indiferente que anda tentando não se apaixonar de novo. Ainda não sei como lidar. Eu era um balde rosa pink cheio de água pura. Um balde que mataria nossa sede por muito tempo, até que ele caiu no chão e quebrado levou toda a água pelo ralo de uma vez. Emergi como que de águas profundas, já quase sem fôlego e chegando em terra firme, já não havia água, já não havia balde, já não havia rosa pink e em terra firme fiquei sem chão, no vazio de minha ingênua existência. 

Engraçado como te amo, sem te amar mais. Engraçado como te quero sem te querer mais. Engraçado estar explodindo no vácuo. Talvez assim veio o big bang. O universo sofrendo com sua grandeza vazia explodiu em si mesmo a fim de se dividir e ter com quem compartilhar a infinitude da vida. A agonizante infinitude da vida. A doce agonia de viver explodindo pedaços dentro de nossos universos particulares. 

Aos poucos, com o caminhar contínuo o passado vai ficando pequenino, pequenino e mesmo que ainda possamos vê-lo ele não poderá nos fazer mais mal nenhum. Obrigada. Quero te chamar te querido, mas ao mesmo tempo não quero admitir que apesar de tudo você é um querido. Obrigada então querido e desculpe se tantos lerão esse texto antes de você saber que sequer existe. E tantos saberão que falo de você e talvez eu faça você passar por situações estranhas por causa disso, mas ainda estou te mantendo longe. Ainda estamos nos mantendo longe não é? Mas a primavera está logo aí. Que você possa sorrir junto aos ipês amarelos enquanto eu brinco com as ondas quentes do mar à procura de um amor livre que goste de cachorros.


Gramática Simples

procuro palavras
compro sintaxes
troco resenhas e
vendo bloqueios
sequestro rimas
embosco aliterações 
engulo onomatopeias e
regurgito subordinações
abraço o sufixo
me apaixono pelo prefixo
e me finco na raiz
choro pelos acentos perdidos
pelos tremas caídos
e pelo ph esquecido
rezo pelas línguas mortas
receio pelas vivas
procuro letras que ainda se amem
sílabas que não se separem
divago pelos hiatos
filosofo com ditongos
discuto com os tritongos
e nada de topar um encontro consonantal
briguei com as oxítonas
perdi os acentos das proparoxítonas
e me perdi nas adjetivas
desviei de vírgulas
obcequei pelos parenteses
e fugi do ponto final
agora sem preposição
sigo só sem complemento
a procura de um verbo
em busca de um objeto direto
mas as palavras saíram correndo
sem oração coordenada
e eu sigo conjugando
o futuro do pretérito perfeito
conjugarias a ti se fosses tu meu verbo auxiliar

quinta-feira, 12 de março de 2015

Bonança



Sobre o que começar a falar depois de tantas emoções? Sobre o que começar a falar a falar depois de três meses de blog esquecido?  Mas só esquecido, não abandonado. É que a vida às vezes, carente de acontecer pede um pouco mais de atenção, clama por passagem. E aí ao invés de trocar e-mails a gente toca a campainha, as figurinhas e os emoticons dão lugar a sorrisos reais e abraços apertados.
Sobre o que falar quando preciso contar que revi pedaços de mim que estão espalhados, que pintei os dreads de rosa, que fui voluntária em fazendas de produção orgânica, que ajudei a fazer uma parede de barro, que pedi demissão da vida burocrática e resolvi trabalhar de pijama curtindo, todos os dias, a chuva de verão de refresca os fins de tarde.
Então vou falar da amizade, pois foi ela que me moveu um semestre inteiro e foi responsável por um mês inteiro de emoções dilacerantes e experiências de vida que nunca serão esquecidas e que foram verdadeiras lições para minha evolução. Aproveito esse post, para transformá-lo em carta aberta, em declaração de amor e agradecimento aos meus queridos amigos que me receberam de braços abertos e àqueles outros que não pude abraçar, mas ainda sim são grandes amores.
Sabe aquelas pessoas que você conhece numa nuvem de tempestade passageira? Aquelas tempestades que arrasam tudo, mas que duram apenas alguns minutos? Seus estragos são tão grandes, apesar da rapidez de seu acontecimento, que mesmo depois de anos ainda é possível ver cicatrizes na cidade. Essas pessoas foram tempestades em minha vida. Chegaram, quebraram tudo e de repente todos se foram, inclusive eu. Mas essa quebradeira foi uma feliz catástrofe. Um bum de emoções, certo?
Depois de anos, ainda somos os mesmos apesar de termos mudado tanto. Mais de quatro anos se passaram e quando nos sentamos foi como se estivéssemos na mesma mesa de bar na noite passada e só foi preciso um, onde a gente parou mesmo? Olhos marejados, olhos curiosos, olhos amorosos, olhos de gratidão e acolhimento. Muitos olhos sorrindo ao mesmo tempo, não era a toa que éramos a mesa mais bonita do bar.
O tempo era curto. O tempo é sempre curto e não importa quanto tempo tenhamos, ainda será pouco. Mas tudo bem, por que nem sempre o coração aceita muito tempo. A cidade já era suficiente para despertar quase dez anos de histórias e mesmo se não houvesse histórias, a loucura da metrópole em si já é uma orquestra de metais e surdos que leva qualquer batimento a loucura!
Pra cada canto uma história, pra cada história um arrepio, pra cada arrepio um olho cheio d’água. Desculpa São Paulo, mas você já é demais pra mim. Quem sabe um dia, se eu conseguir me equilibrar mais, se eu conseguir transcender mais, talvez eu volte... um dia eu volto... mas sinceramente São Paulo, não quero voltar. Gostaria de ver-te sorrindo, com sua garoa de volta, mas ah pobre Sampa... como judiam de você minha querida. Como suas ruas ficam cada vez mais duras de suportar. Volto por que a amizade grita de tempos em tempos, mas daqui algum tempo, talvez nem as amizades estejam contigo mais São Paulo e de você levarei o cheiro de vida vivida.
E aí a gente vai criando cada vez mais lugares legais pra visitar e o Brasil vai virando um mapa do tesouro, onde cada amigo é um tesouro e de tempos em tempos você vai atrás de algum diamante bruto perdido em algum cantinho. Nessa caminhada encontrei dois ilhados num mundo regidos por felinos selvagens que dão vida ao sonho de ser mais inteiro, de ser mais leve, de ser mais humano. O sonho que rasteja por tijolos improvisados e folhas de couve orgânica. Nunca foi tão lindo capinar um terreno. Nunca foi tão lindo o suor que escorria em minhas costas, suor de trabalho feito com puro amor, respeito e admiração pelo sonho que engatinha.
Depois de duas semanas, já estava exausta. Já me sentia tão grande, já estava com tanta gratidão por tudo que havia acontecido, estava tão emocionada com tudo que eu havia revisto e com os abraços que há tanto esperava, que um desespero de voltar pra casa invadiu meu corpo cansado. Obrigada, era só o que eu podia dizer e se tudo acabasse ali, acabaria com chave de ouro. Mas ainda havia chão, havia muita terra pela frente e segui meu caminho atrás de pessoas que, como nós, também estão atrás de novas formas de vida.
E aí explodi. Explodi num redemoinho de histórias e encontrei pessoas que como eu abandonam tudo por uma vida mais simples, deixam tudo pra trás por momentos mais humanos, por experiências mais verdadeiras, por ideais mais existenciais e menos comerciais. E pude trocar experiências e renovar as forças, pois viver assim em uma sociedade fundamentada no ter, não é tarefa das mais fáceis. Mas também não seria eu se eu pegasse o caminho “mais fácil”.
Foi então que chorei. Chorei e pedi casa. Chorei e voltei correndo. Até abandonar tudo tem hora, e não era hora ainda. Mas essas pessoas nos fazem, não só acreditar, mas nos dão certeza que dá certo abandonar caminhos pré-estabelecidos, que você não escolheu seguir por conta própria. E antes que a vontade se tornasse plano, voltei. Voltei para meu porto seguro, para minha casa, para meu reino. Para me recompor de toda bagunça que as viagens causam em minha cabeça (mesmo por que minhas viagens são sempre cabalísticas e antropológicas) e mais uma vez recomeçar e sair da zona de conforto, se é que um dia eu entrei nela...
Mas voltei pra minha vida satisfeita de ver tudo e todos que vi e revi. Satisfeita de poder ter tocado naqueles que estão sempre no meu mundo virtual, satisfeita de depois de tanto tempo longe e às vezes quase sem notícias, ainda ter profunda admiração por todos vocês. Sabe quando usamos a expressão, fulano não me representa, ou tal coisa me representa, bem, posso dizer que vocês me representam e que se alguém quiser saber do que sou feita, por que aqui poucos realmente me conhecem, bastava passar um dia com vocês queridos meus.
Obrigada pela acolhida, pelas camas quentinhas, pelos cantinhos arrumados, pelas comidinhas, brejas, conversas noite adentro, caronas, desabafos, trocas, emoções e histórias para a vida inteira. Espero vê-los mais breve dessa vez. Amo vocês.
Por que depois da tempestade, sempre vem a bonança e depois da tempestade ganhei amigos para a vida inteira.